A sina dos planetas



A sina dos planetas Hector Othon [Cena: Um jardim ao amanhecer. O orvalho ainda brilha nas folhas. Ela caminha devagar, como se se despedisse de tudo. Ele a segue, com passos medidos no início, depois apressados, trazendo uma flor meio murcha nas mãos.] Ele (tentando soar natural, com um sorriso melancólico): Eu me lembro de ti como ninguém, sabes? Não como eles te viam, não… Eu te amo com todos meus poros. Te quero. Vamos casar. Estar sempre juntos. Eres feita de amor, de beleza, de prazer. Ela (parando, olhando para o horizonte, a voz serena mas decidida): Nem pensar. Nunca. Tira esse propósito de teu coração. Já te dei tudo. Mas o que restou disso? Hoje são névoas que me cercam… antigas, espessas. São elas que sempre nos fizeram hesitar, ficar entre amar ou fugir, criar ou temer. Eu me cansei. Depois de tanto tempo sendo o que esperavam de mim, já não sinto a vida pulsar em nada do que me oferecem e te incluo nessa. Ele (tentando se aproximar, um pouco mais aflito): Mas não precisa ser assim… Escuta, por favor. Ainda há cor no mundo, mesmo que não a vejas agora. Ainda há encontros que podem acender tua chama de novo. Eu estou aqui. Fica. Deixa-me tentar, ao menos tentar reacender essa luz em ti. Ela (balançando a cabeça lentamente, firme): As cores não se acendem. Os encontros me pesam mais do que me elevam. Perdi minha intuição… aquela que guiava meus passos, que me fazia enxergar beleza onde ninguém via. Hoje, tudo em mim se apagou. Ele (agora, com a voz trêmula, quase suplicando): Não… Não digas isso. Não pode acabar assim. Tu eras meu sonho vivo, minha esperança. Sem tua visão sonhadora, sem tua entrega sem fronteiras… o que me resta? O amor não precisa ser uma prisão. Não para nós. Deixa-me provar-te que ainda podemos dissolver as mágoas, que ainda podemos renascer. Ela (com um suspiro profundo, sem olhar para ele): O amor virou promessa de controle. Minha alma não reconhece mais os caminhos que o medo me obriga a seguir. Eu escolho outra estrada. Uma onde não preciso mais me dobrar ao que me impõem. Deixa-me ir. Ele (desesperado agora, dando um passo à frente, a flor caindo de sua mão): Não! Não partas assim… Celebremos, sim! Celebrar a leveza de amar sem amarras, como antes… Celebrar a beleza até nas nossas imperfeições, nas feridas abertas! Celebremos nós, juntos! Eu imploro… Ela (finalmente o encara, com compaixão, mas inabalável): Celebremos nossa separação, nosso encontro consigo mesmo. Agradece o que foi e avancemos cada um no seu caminho. Hoje, o amor não é promessa — é liberdade. E eu escolho ser livre. [Ela se afasta lentamente. Ele permanece imóvel, como se a própria manhã tivesse se tornado crepúsculo.] [Cai o pano.] [Cena 2: O mesmo jardim. O sol já começa a subir, lançando luz dourada nas folhas. Ele está parado no meio do caminho de pedras, com o rosto molhado de lágrimas secas. Ela, decidida, se afasta lentamente. Ele dá alguns passos em sua direção, a voz trêmula mas carregada de emoção.] Ele (quase gritando, entre soluços): Se você me deixar... se você realmente me deixar... eu prefiro morrer! Ouves? Prefiro morrer! Ela (girando sobre os calcanhares, indignada, a voz firme como lâmina): Você está louco! Louco! Não percebe o quão chantagista, o quão egoísta e perverso isso é? Faz da tua dor uma corrente pra me prender! Que amor é esse que me quer cativa? Ele (avançando, desesperado, gesticulando): Eu te amo! Te amo como nunca amei nada na vida! Eu não suporto a ideia de viver sem ti! Sem ti, minha vida não tem cor, não tem sentido, não tem ar! Ela (a voz baixa, dolorida mas firme): Perdão... perdão por não conseguir te satisfazer, por não corresponder ao que esperas de mim. Mas eu estou decidida. Eu vou embora. Está feito. Ele (caindo de joelhos, chorando como uma criança): Nunca... nunca vou te perdoar por isso! Nunca! Você está matando tudo que havia em mim... Ela (olha para ele com pesar, mas não hesita): Eu vou embora. [Ele se levanta de súbito, corre até ela, tenta abraçá-la com força desesperada.] Ele (sufocado de emoção): Não! Eu te amo! Não vou te deixar ir! [Ela, com uma expressão de dor e decisão, respira fundo — e com um movimento rápido e certeiro, lhe dá uma ajoelhada nos testículos.] Ele (gritando de dor, dobrando-se no chão): Aaaaaahhh! [Ela não olha para trás. Com dignidade, recompõe-se e caminha firme, desaparecendo pela trilha.] [Luz vai diminuindo lentamente. E se vê ela caminhando, se distanciando] [Cena 3: O jardim está quase inteiramente banhado pela luz do dia. Ele está caído no chão, contorcido de dor não só física, mas emocional, segurando o próprio corpo como se tentasse segurar o que restou de sua dignidade.] Ele (ofegante, entre gemidos, falando consigo mesmo enquanto as lágrimas se misturam com o suor): Foi ela… foi ela que me matou por dentro… (E depois, quase sussurrando, num momento de desespero que beira o delírio) Ou talvez… talvez eu mesmo tenha me destruído, amando mais a prisão que a liberdade. (Pausa, respira com dificuldade) Fui eu quem a transformou em carrasca, não foi? Mas se o amor não me salva... o que me resta? (Fecha os olhos, a mão aperta o chão, como se buscasse respostas nas pedras frias) [Ela se distancia com passos firmes, mas a voz dela ecoa como pensamento em voz alta — um monólogo quase como se fosse uma narração que corta a cena dele. Tom irônico, cansado, com pitada de humor negro.] Ela (em monólogo, voz ao fundo, olhando para o céu): Bem que me falou o astrólogo… (Do nada aparece o rosto dela com um sorriso amargo, quase irônico, olhando para o céu): Bem que me falou o astrólogo: com Saturno e Plutão em Escorpião na casa 8, sempre me envolverei com homens que carregam o peso de mil mortes e mil renascimentos. Sempre me mostraram, cedo ou tarde, sua face mais louca, mais cármica. (Respira fundo, como se risse da própria sina) Ó Deus dos planetas… será que dá pra mudar esse destino? Não suporto mais ser a faísca que acende incêndios nas almas carentes, nem o espelho onde projetam seus abismos. (Pausa breve, olhando para os passantes ao redor) Vítimas da minha liberdade… sempre. E eu? Livre, sim. Mas não ilesa. O que fazer? O que fazer quando a liberdade fere os que tentam segurá-la? (Pausa longa. Ela para de andar. Olha para o horizonte como quem escuta uma resposta secreta. Para, olha para trás) — Voltar? Nunca, continuar. Sempre continuar. [Ela some na luz do horizonte, enquanto a câmera (ou o foco de luz do palco) permanece sobre ele, ainda no chão, entre a sombra e a revelação. Fade out.] te amo Hector Othon

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