Fragmentos de um diálogo amoroso

 

🌒 Diálogo: “Enquanto eu espero por ti”

ELA
Por que você nunca me disse o que sentia de verdade?
Por que esse silêncio todo, essa ausência?
Por que agora?

ELE
Porque eu te esperei.
Esperei como se espera um eclipse.
Você era a noite que prometia uma luz diferente.
Mas ninguém acredita na espera.
A espera é ridícula — dizem.
Mas pra mim, era tudo.

ELA
Você some, depois volta falando como se tivesse morado dentro de mim esse tempo todo.

ELE
Morei.
Na tua ausência, eu construí uma catedral.
Cada gesto teu — mesmo ausente — era uma aparição.
Eu não precisei te tocar para sentir teu corpo.
Te imaginei tanto que te tornei mito.

ELA
Mas eu sou só eu. Eu me sinto só.
E quando você diz "eu te amo", parece que está dizendo pra outra pessoa — pra uma deusa que não sou eu.

ELE
“Eu te amo” é a frase mais mentirosa e mais verdadeira que existe.
Digo como quem atira uma flecha, não pra acertar — mas pra atravessar.
Não sei se acerto.
Mas preciso dizer.
Toda vez que digo “eu te amo”, estou morrendo de medo de te perder.

ELA
Você ama o medo, não ama a mim.
Ama essa coisa de sofrer, de delirar, de transformar tudo em sonho e abismo.

ELE
Sim.
O amor é delírio.
E se não for, não me interessa.
O que me interessa é essa vertigem, essa ferida exposta.
Amar é estar exposto.
É caminhar sem pele.

ELA
Mas e eu? E o real? E as compras no mercado, o silêncio da segunda-feira, o cheiro da minha roupa no varal?

ELE
O real me fere porque você não está lá o tempo todo.
Eu quero você dentro de mim como uma voz que não cessa.
Mas o mundo te chama.
E então vem a ausência.

ELA
Você me sufoca.
Você quer me capturar numa fantasia.
Quer que eu exista só pra tua linguagem de amor.

ELE
Porque a linguagem é tudo que eu tenho.
Meus gestos são pobres.
Mas minhas palavras... ah, minhas palavras!
Elas gritam tua falta como um poema ferido.

ELA
Você quer o inatingível.
Ama o impossível.
Ama o amor, não ama a mim.

ELE
Sim, é ininteligível.
O que eu sinto por você é sem lógica.
Não é contrato, não é promessa, não é segurança.
É furacão.
É grito.
É mil vezes “eu te amo” sem saber o que estou dizendo.

ELA
Então por que não se vai?
Por que insiste?

ELE
Porque...
porque você é a única pessoa no mundo diante da qual eu posso ser esse caos sem vergonha.
Porque só em tua presença, mesmo ferido, mesmo errante,
me sinto inteiro.
E se isso for loucura...
então que seja.

[Silêncio]

ELA
(baixa os olhos)
Você me assusta.
Mas tem algo em você que… me toca.
Você me olha como se eu fosse a única forma de poesia que restou no mundo.

ELE
Porque é.

0000000000000000000000000000000000000000000000

🌑 Cena II – “A última linguagem”

(Noite. Uma janela aberta. O som do vento. Um copo quebrado no chão. Ele e Ela frente a frente. Ainda exaustos de amor.)

ELA
Eu cansei.
Você me olha como se eu fosse um enigma.
Mas eu sou carne.
Tenho fome, sono, raiva.
Você ama o que em mim escapa — mas não ama o que sou quando fico.

ELE
Ficar?
Ficar é onde o amor morre.
O amor que fica demais apodrece.
Eu te amo no intervalo.
No intervalo entre o gesto e a palavra.
No instante anterior ao toque.
Ali... onde você é miragem, e eu sou sede.

ELA
Então você nunca me quis.
Você quis uma ideia de mim.
Você me transforma em alegoria, em labirinto.
E eu… eu só quero ser teu chão.

ELE
Você quer ser chão?
Eu sou queda.
Sempre fui.
Amar é cair sem rede.
É desejar o impossível e sofrer com o possível.
É querer o abraço que não chega, mesmo com os braços dados.

ELA
Você diz coisas belas.
Mas eu morro mil vezes ouvindo tua beleza sem realidade.
Teus silêncios são punhais.
Tua espera é cárcere.
Tua ausência, meu esvaziamento.

ELE

Você me acusa de amar demais, mas um amor que não chega.
É isso que me destrói:
amar é um ato mágico e perigoso, que revela e, ao mesmo tempo, compromete. 
Amar como quem sangra — sem cura, sem remendo, sem retorno.
Cada “eu te amo” que te digo... é um pedido de socorro.
Eu te amo. Deixa te abraçar. 

ELA
(eles se abraçam)
Então por que não pediu ajuda antes? Vem que eu te quero, te desejo.
Por que não chorou no meu colo? (fala carinhosamente)
Por que me usou como espelho, e não como casa? (fala com tesão)

ELE
Porque amar é também matar. (Ele a abraça, mas não se entrega)
E eu... (se solta)
tenho medo de te matar com o que em mim transborda.
Tenho medo de te sujar com minha loucura.
Tenho medo de você ver que por trás do poeta...
tem um menino que grita.

ELA
(gritando)
EU QUERO O MENINO!
Eu quero o desespero, o suor, o medo, o erro.
Mas você me da o personagem.
Você me da metáforas.

ELE
Porque é tudo que sei dar.
Porque palavras são minha carne.
E te amar é minha morte cotidiana.
É ferida que não cicatriza.
É querer te possuir e saber que nunca poderei.
Nem você, nem ninguém.

ELA
(entredentes, firme)
Você não quer o amor.
Você quer o abismo.
Quer a tragédia.
Quer Romeu morrendo antes de saber que Julieta ainda respira.

ELE
Sim.
Porque o amor é sempre uma morte prematura.
E ainda assim… é a única coisa que faz viver.

[Silêncio imenso. Os dois estão à beira de algo — de um adeus, de um beijo, de um abismo.]

ELA
(sussurra)
Então vai.
Vai ser teu abismo.
Eu quero paz. Desisto de você
Quero não sangrar toda vez que você diz “eu te amo”.

ELE
(pausa, quase chorando)
Agora vejo Te amo.
Como quem beija um fantasma.
Como quem dança no fogo.
Como quem já perdeu... Te perdi..
mas ainda assim, espero.

Vejo o quanto sou louco
o quanto te faço sofrer
Desisto também, não quero te fazer sofrer.
Meu amor de nada está servindo
Me vou, 
entrar no meu silêncio para ver se mudo
e um dia poder te amar e colaborar com tua felicidade.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Tristeza

Paz

Pacto Contra a Loucura