Ana Maria
Monólogo, Ana e Maria são eus de uma mesma pessoa.
MARIA:
(Suavemente, sem olhar diretamente para Ana.)
Has mulheres na atualidade tem que ser fortes, sabia?
(Pausa.)
Daquelas que carregam o mundo nas costas… e mesmo assim não se perdoam por tropeçar.
ANA:
(Riso frágil, quase um soluço.)
Eu não sou forte. Sou um monte de defeitos amarrados com barbante.
Sabe o que mais me dói? Não é o que ele fez ou deixou de fazer. É me ver implorando por migalhas de atenção… como se eu não valesse mais que isso.
MARIA:
(Inclina-se, voz grave, cheia de ternura.)
Você não está implorando. Está lutando .
(Pausa.)
Lutar cansa. E você está cansada. Sacou?
ANA:
(Lágrimas silenciosas.)
Eu me cobro tanto… na terapia, nos trabalhos espirituais, na vida… mas parece que quanto mais tento ser "boa", de corresponder, de servir, mais me afundo.
(Sussurra.)
Será que sou feita de vidro? Que um não-dito, um silêncio, me deixa em pedaços?
MARIA:
(Tira um lenço do bolso, coloca-o entre elas no banco.)
O silêncio não é sua culpa.
(Pausa.)
Você já parou para pensar que talvez… ele tenha medo de si mesmo? Tenha medo de brochar? De te decepcionar? De não saber como chegar até você?
ANA:
(Surpresa, ergue os olhos.)
Você… você acha que ele tem medo?
(Ri com amargura.)
Eu só queria uma conversa. Uma frase. Um "sinto muito" que me dissesse: "Você importa".
MARIA:
(Segura as próprias mãos, como se contivesse algo.)
Às vezes, as pessoas se calam porque estão cheias de suas próprias tempestades.
ANA:
(Voz embargada.)
Isso não justifica… mas explica.
(Desaba, finalmente.)
EU NÃO SEI MAIS!
(Respira fundo, trêmula.)
Não sei se fujo do mundo ou se enfrento. Se me fecho ou se grito. Tenho 65 anos e me sinto uma criança perdida… com medo de sair da cama, de encarar a rua…
(Sussurra.)
Como se cura isso?
MARIA:
(Levanta-se, caminha até Ana. Para à sua frente, estende a mão, hesitante. Ana a segura.)
Um passo de cada vez. Hoje, você já deu o primeiro: reconhecer a tua situação e perceber que assim não está legal, algo tem que mudar. Você é tão linda, sensível, amorosa, tesuda, esse cara ai está cego, perdido, deixa ele acordar. Enquanto isso vamos nós a desfrutar a vida que se mostra generosa e nos quer.
(Senta-se ao seu lado, mais perto.)
Amanhã, quem sabe… a gente caminha até o café da esquina?
ANA:
(Sorriso frágil.)
Você não vai rir de mim?
(Aponta para o próprio rosto inchado de chorar.)
"Olha a velha dramática!"
MARIA:
(Rindo com ela, mas com os olhos úmidos.)
Vou rir com você. Dos seus defeitos gigantes que, no fim, são só… humanos.
(Pausa.)
E se um dia você precisar gritar comigo, gritemos. Se quiser silêncio, eu fico quieta. Mas não me peça para deixar de te ver… porque eu vejo você.
ANA:
(Encosta a cabeça no ombro de Maria, exausta.)
Obrigada por não dizer "isso vai passar".
MARIA:
(Beija o topo de sua cabeça, como uma irmã.)
Vai passar porque você está aqui. Mesmo que doa. Mesmo que assuste.
(Luzes se intensificam, revelando um raio de sol nascendo. Ana seca as lágrimas, respira fundo. Maria oferece o braço, como apoio. Ana hesita… e segura.)
ANA:
(Sussurrando, como um segredo.)
Acho que… quero aquele café.
(Saem devagar, lado a lado. A folha seca que Ana segurava voa, levada pelo vento.)
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